06.06.2022
Do UOL NOTÍCIAS, 02.06.22
Por Giulia Paravicini e Tiksa Negeri Da Reuters, em Dubti (Etiópia)
Enquanto as atenções do mundo estão voltadas para a guerra na Ucrânia, outro conflito provoca cenas horríveis de civis, muitas vezes crianças, feridos. A guerra na Etiópia, na África, se arrasta por quase um ano e meio.
As forças pró-governo e os rebeldes da região de Tigré se enfrentam no norte da Etiópia desde novembro de 2020, quando o primeiro-ministro Abiy Ahmed enviou o exército federal para expulsar as autoridades da região, governada então pela TPFL (Frente de Libertação do Povo Tigré), movimento que contestava há vários meses sua autoridade.
As tropas rebeldes da TPLF foram rapidamente derrotadas. Mas, em 2021, os insurgentes tomaram o controle da região e, desde então, avançaram para as regiões vizinhas de Amhara e Afar.
No final de março, a Etiópia anunciou um cessar-fogo unilateral, o segundo anunciado em um conflito que já dura 17 meses e que deslocou milhões de pessoas e colocou centenas de milhares em condições de fome.
Uma nova frente na guerra na Etiópia, na região de Afar, porém, está colocando em risco os esforços para fazer com que os inimigos participem das negociações de paz, disseram três autoridades regionais e três diplomatas, e o cessar-fogo declarado pode ter sido rompido em alguns lugares.
A explosão da violência em Afar, neste ano, ocorreu após os combates nas regiões vizinhas de Tigré e Amhara chegarem a um impasse enquanto ganhavam força os esforços para fazer com que o governo em Adis Abeba e os rebeldes em Tigré concordassem em participar das negociações de paz.
"Não pode haver paz na Etiópia enquanto houver combates em Afar", disse Mussa Ibrahim, um líder de clã em Erepti, um dos seis distritos em Afar atualmente ocupados pelas forças de Tigré.
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Ayisha Abdu, 8, recebe tratamento após perder a mão esquerda em uma explosão causa por um explosivo deixado perto de sua casa |
Apesar do cessar-fogo, o comissário de polícia de Afar, Ahmed Harif, disse à agência de notícias Reuters que os combates prosseguem em dois dos seis distritos ocupados pelos combatentes de Tigré, além de estar ocorrendo um aumento "significativo" de forças de Tigré ao longo da fronteira.
Dois trabalhadores de ajuda humanitária confirmaram os combates.
Getachew Reda, um porta-voz da FLPT, que está enfrentando o governo, negou a ocorrência de combates naquelas áreas. Ele não comentou sobre as acusações de aumento de tropas.
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Mussa Ibrahim fala à Reuters |
A última vez em que o governo declarou um cessar-fogo unilateral em julho, após meses de combates que forçaram os militares a deixarem Tigré, a FLPT o considerou uma "piada" e continuou lutando, dizendo que as condições necessárias para a paz não foram atendidas.
As forças da FLPT e de Afar contestam quem iniciou a série mais recente de combates na região nordeste, que tiveram início em meados de janeiro. O governo regional estima que 300 mil pessoas tiveram que abandonar seus lares.
A FLPT diz estar respondendo aos ataques feitos pelas forças de Afar e aliadas em Tigré, enquanto as autoridades de Afar dizem que as forças de Tigré foram as agressoras.
Entre os que fugiram da violência estava Ayisha Ali, cuja cidade natal de Berhale foi atacada no início de fevereiro.
Falando em um depósito que serve como um acampamento rudimentar para os deslocados em Afdera, a cerca de 130 km a sudeste do lar dela, ela disse não saber o que aconteceu a seus sete filhos, após sua família ter sido separada em meio ao caos.
Doze outros parentes foram mortos quando suas cabanas foram atingidas por explosões, ela disse. Entre eles estava sua irmã, os cinco filhos de sua irmã e uma prima grávida. Ayisha culpou as forças de Tigré.
"Não pudemos nem mesmo enterrá-los. Os corpos estavam em pedaços", ela disse à Reuters. "As armas pesadas estavam disparando conta nós e nós fugimos."
Dois vizinhos, falando no campo, também descreveram combates pesados e a morte de civis. A Reuters não pôde verificar de forma independente os relatos de Ayisha ou de seus vizinhos.
Culpando uns aos outros
As forças de Tigré entraram em Afar e na região adjacente de Amhara em julho.
Na época, a FLPT disse que estava tentando derrubar o reduto, impedindo os comboios de ajuda humanitária de entrarem na região e forçando os aliados do primeiro-ministro Abiy Ahmed a se retirarem de uma área contestada no oeste de Tigré.
Uma ofensiva do governo em dezembro forçou as forças de Tigré a recuarem da região.
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Eysa Mohammed, 15, sentada em casa com sua mãe, Asiya Mohammed, 40 anos, após sofrer ferimentos em sua perna direita causados por explosivos Desta vez, as partes em conflito disputam quem iniciou a violência e os motivos para ela são menos claros. Ayisha descreveu as forças de Tigré que chegaram em Berhale, em 7 de fevereiro, provocando ferozes tiroteios com milicianos locais usando armamento pesado. Um boletim interno de segurança das Nações Unidas, visto pela Reuters, disse que os combates prosseguiam na cidade e arredores nos dias 11 e 12 de março. A
FLPT acusa as forças de Afar de atacarem a região de Tigré juntamente
com os combatentes da Eritreia, a vizinha da Etiópia ao norte, que
também é aliada do governo de Abiy. O ministro da Informação da Eritreia, Yemane Gebremeskel, não respondeu aos pedidos de comentário sobre as acusações da FLPT. Nos primeiros meses da guerra, o país negou que suas forças estivessem participando dos combates em Tigré. Autoridades regionais, forças de segurança e milicianos aliados em Afar apontam o dedo para a FLPT pela abertura de uma nova frente no conflito. "Não sei por que estão nos invadindo, por que estão matando nossas mulheres e crianças", disse Mohammed Idris, chefe da zona administrativa do norte de Afar. "Nós continuamos nos defendendo, já que esta é nossa terra." * |
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Fonte:https://noticias.uol.com.br/reportagens-especiais/guerra-na-etiopia/#page1
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