29 março 2024

O que são os valores éticos numa sociedade?

28.03.2024
Postado por Irineu Messias

Os valores éticos são princípios que norteiam o comportamento individual e coletivo em uma sociedade, definindo o que é considerado certo e errado, justo e injusto. São bússolas que guiam as ações e decisões das pessoas, promovendo o bem-estar social e a justiça.

Alguns dos principais valores éticos em uma sociedade incluem:

  • Respeito: Reconhecer a dignidade e os direitos de todas as pessoas, independentemente de suas diferenças.
  • Honestidade: Ser verdadeiro e agir com integridade em todas as circunstâncias.
  • Justiça: Buscar a igualdade de oportunidades e a distribuição justa de recursos para todos.
  • Solidariedade: Agir com compaixão e empatia, ajudando os necessitados e promovendo o bem-estar coletivo.
  • Responsabilidade: Assumir as consequências de suas ações e tomar decisões conscientes, pensando no impacto que elas podem ter na sociedade.
  • Liberdade: Exercer seus direitos e vontades de forma responsável, sem prejudicar o próximo.
  • Tolerância: Aceitar e respeitar as diferenças de opinião, crença e cultura, promovendo a diversidade e o diálogo.

A importância dos valores éticos:

  • Promovem a coesão social. Ao seguir valores éticos, os membros de uma sociedade se unem em torno de princípios comuns, criando um ambiente mais harmonioso e seguro.
  • Permitem a resolução de conflitos. Os valores éticos servem como base para a resolução pacífica de conflitos, buscando soluções justas que beneficiem todas as partes envolvidas.
  • Estimulam o desenvolvimento social. Uma sociedade com valores éticos sólidos é mais justa, igualitária e próspera, pois as pessoas se dedicam a construir um futuro melhor para todos.
  • Guardiões da dignidade humana. Os valores éticos protegem a dignidade e os direitos humanos, garantindo que todos sejam tratados com respeito e justiça.

Como os valores éticos são transmitidos:

  • Família: A família é o principal responsável pela transmissão de valores éticos às crianças, através do exemplo e da educação.
  • Educação: A escola também tem um papel fundamental na formação ética dos alunos, ensinando valores como o respeito, a responsabilidade e a tolerância.
  • Mídia: A mídia pode influenciar os valores éticos da sociedade, promovendo conteúdos que incentivam o bem-estar social e a justiça.
  • Lideranças: Líderes políticos, religiosos e sociais podem servir como modelos de comportamento ético para a comunidade.

Em suma, os valores éticos são a base de uma sociedade justa, harmoniosa e próspera. É fundamental que todos se engajem na promoção e, na prática desses valores para construir um mundo melhor para todos.

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28 março 2024

Sob a Luz das Estrelas: Uma Jornada Inspiradora de Luta e Superação

 28.03.2024

Postado por Irineu Messias

Sob a Luz das Estrelas, do autor A.J. Cronin, é um romance emocionante que narra a história de David Fenwick, um jovem médico idealista que se depara com as duras realidades da vida em uma comunidade mineira de carvão na Inglaterra do início do século XX.

Ambientado em 1910, o livro retrata as precárias condições de trabalho e a pobreza extrema enfrentadas pelos mineiros, explorados por um sistema cruel e implacável. David, movido por um profundo senso de justiça e compaixão, dedica-se a melhorar a vida dos trabalhadores, enfrentando a resistência dos poderosos donos das minas.

Ao longo da trama, acompanhamos a trajetória de David, desde sua formação médica até sua ascensão como líder da comunidade. Sua luta por melhores condições de trabalho e segurança para os mineiros o coloca em rota de colisão com o Sr. Barras, o tirânico dono da mina, e com seu próprio passado.

O romance explora temas como:

  • A luta de classes: A exploração dos trabalhadores pelas classes dominantes é um tema central do livro. David se torna um símbolo da resistência contra a opressão e da busca por justiça social.
  • A busca por justiça social: A luta por melhores condições de trabalho e dignidade para os mineiros é o motor da história. David enfrenta desafios e obstáculos em sua jornada, mas nunca desiste de seus ideais.
  • O poder da compaixão: A compaixão de David pelos mineiros o motiva a lutar por seus direitos e a dedicar sua vida a melhorar suas condições de vida.
  • O amor e a perda: O romance também apresenta uma história de amor envolvente entre David e Jenny, que enfrenta os desafios da vida em uma comunidade marcada pela pobreza e pela tragédia.

Pontos fortes do livro:

  • Personagens memoráveis: David Fenwick é um protagonista cativante e inspirador. Sua força de vontade, inteligência e compaixão o tornam um herói admirável. Os outros personagens também são bem desenvolvidos e contribuem para a riqueza da história.
  • Enredo envolvente: A trama é dinâmica e prende a atenção do leitor do início ao fim. Os acontecimentos se desenrolam de forma natural e convincente, com momentos de suspense, drama e emoção.
  • Descrição vívida do cenário: A descrição detalhada da vida na comunidade mineira transporta o leitor para a época e o local da história. O autor consegue transmitir com maestria a atmosfera de pobreza, opressão e esperança que permeia o ambiente.

Pontos fracos do livro:

  • Alguns personagens podem ser considerados estereotipados: O Sr. Barras, por exemplo, é um vilão caricatural que representa a ganância e a crueldade dos donos das minas.
  • O ritmo da narrativa pode ser lento em alguns momentos. Apesar da trama envolvente, há momentos em que o ritmo da história se torna mais lento, principalmente durante as descrições detalhadas do cenário e das condições de vida dos mineiros.

Conclusão:

Sob a Luz das Estrelas é um romance cativante e inspirador que retrata a luta por justiça social em um contexto histórico de grande desigualdade. A história de David Fenwick é uma ode à compaixão, à perseverança e à esperança, e nos convida a refletir sobre a importância da luta por um mundo mais justo e humano.

Nota do Editor: Este foi um livro que influenciou militância social, que se iniciou em 1980,

23 março 2024

21 de Março de 1960: O Massacre que Mudou a África do Sul

23.03.2024


O Massacre de Sharpeville, ocorrido em 21 de março de 1960, é um dos episódios mais trágicos e marcantes da luta contra o apartheid na África do Sul. Naquele dia, a polícia sul-africana abriu fogo contra uma multidão de manifestantes negros desarmados na cidade de Sharpeville, matando 69 pessoas e ferindo outras 180

A manifestação foi organizada pelo Congresso Pan-Africano (PAC), um grupo dissidente do Congresso Nacional Africano (ANC), que convocou um protesto nacional contra as leis do passe do apartheid. Essas leis obrigavam os cidadãos negros a portar documentos (“passes”) que restringiam sua liberdade de movimento.

Cerca de 20.000 negros se reuniram perto de uma delegacia em Sharpeville, localizada a cerca de 50 km ao sul de Joanesburgo. Após alguns manifestantes, segundo a polícia, começarem a atirar pedras nos oficiais e em seus carros blindados, os policiais responderam com tiros de metralhadora. Entre as vítimas, havia mulheres e crianças
O massacre resultou na declaração de estado de emergência na África do Sul, com mais de 11.000 pessoas detidas, e na proibição do PAC e do ANC. O incidente atraiu críticas internacionais e colocou o foco da comunidade mundial nas políticas de apartheid do país
Após o fim do apartheid, o presidente Nelson Mandela escolheu Sharpeville como o local onde, em 10 de dezembro de 1996, ele assinou a nova constituição do país, marcando uma nova era de direitos humanos e liberdade
O Massacre de Sharpeville não foi apenas um ponto de virada na luta contra o apartheid, mas também um momento que ressoou em todo o mundo, destacando a brutalidade do regime segregacionista. A data do massacre, 21 de março, é agora comemorada como o Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial, reafirmando o compromisso global com a justiça e a igualdade

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Fonte:https://twitter.com/viagempassado/status/1770891793531314481

22 março 2024

A evangélica que roda igrejas falando sobre suicídio após irmã se matar: 'Disseram que ela ia para o inferno'

22.03.2024
Do portal da BBC NEWS BRASIL, 


Antes da morte da irmã, Késia conta que não tinha contato algum com o tema da saúde mental

Ao encontrar o corpo da irmã mais nova que tinha acabado de se suicidar, em 2012, Késia Mesquita conta que saiu para a rua gritando: "Meu Deus, para onde ela foi?!"

Afinal, não é incomum que evangélicos como ela ouçam que quem tira a própria vida cometeu um pecado e vai para o inferno.

A ideia de que tirar a própria vida é um pecado segue vigente entre fiéis, pastores e lideranças evangélicas, embora grandes igrejas estejam adotando uma postura mais empática com pessoas afetadas pelo suicídio, segundo especialistas.

Késia Mesquita, hoje com 39 anos, frequentando há anos a Assembleia de Deus em Teresina, no Piauí.

Após a morte da irmã Débora, a vida de Késia mudou de direção

'Essa realidade já chegou tanto nos espaços religiosos quanto nas famílias dos próprios líderes', diz Késia Mesquita sobre o suicídio

Depois da perda e de um doloroso luto, ela fundou em homenagem à irmã um centro dedicado à prevenção do suicídio e aos cuidados com pessoas que perderam alguém que se matou, a chamada posvenção.

Formada em letras antes da morte da irmã, Késia decidiu depois fazer uma pós-graduação sobre o assunto, escreveu vários livros e passou a viajar pelo Brasil fazendo palestras e pregações sobre saúde mental em igrejas evangélicas.

Uma pregadora ou um pregador é quem espalha a crença evangélica para outras pessoas, mas não tem a função e as obrigações de um pastor.

Embora já veja mudanças entre os pastores e igrejas, ela afirma que ainda é uma minoria que está preocupada em quebrar o tabu religioso em relação ao suicídio.

"É uma porcentagem pequena, mas já conseguimos ver uma luz no fim do túnel", afima.

"Nos últimos dez anos, tive a oportunidade de falar em muitas igrejas e vi a preocupação que muitos líderes têm em entender do assunto para acolher melhor."

A trajetória de Késia e o tratamento do suicídio entre os evangélicos são o tema da segunda reportagem da série "Suicídio & Fé", que aborda o tabu religioso com o ato, com foco nas religiões com mais adeptos no Brasil.

Késia conta que, antes da morte da irmã, não tinha qualquer contato com o assunto da saúde mental.

Débora começou a apresentar "reações muito desproporcionais e agressivas", nas palavras da irmã, e a família levou a caçula para um psiquiatra — que, em 2011, diagnosticou o transtorno bipolar e alertou para um alto risco de suicídio.

Débora não escondia que pensava em se matar.

"Ao contrário de algumas pessoas que são pegas de surpresa, ela verbalizava, porque, junto com transtorno, havia a questão da personalidade mesmo, que era muito forte. Ela sempre foi muito sincera", lembra Késia.

A palestrante diz que a irmã teve vários surtos que mobilizavam a família, incluindo um que levou à internação em um hospital em janeiro de 2012.

Késia enumera então alguns "gatilhos" para morte de Débora aos 24 anos, em julho de 2012.

Segundo ela, a caçula decidiu interromper o tratamento psiquiátrico e enfrentava problemas no namoro.

Em um surto, a família teve dificuldades de achar um psiquiatra plantonista nas redes pública e privada.

"Ela saiu de casa em um táxi, e deduzimos que ela tinha ido para casa onde tinha planejado morar com o futuro marido."

Késia conta que previu a tragédia que poderia acontecer e foi atrás da irmã.

"Por dez minutos, já tinha sido tarde demais", diz.

"Fui eu que encontrei o corpo dela, mais uns dois primos viram. Eu não deixei meus pais verem. Foi a cena mais triste que os meus olhos já viram", conta, afirmando que as duas eram muito próximas.

'Nunca deixei de crer em Deus'

A partir daí, o tabu com o suicídio começou a aparecer — assim como o acolhimento.

"Experimentei de tudo. Até no momento do velório mesmo, muitas pessoas nos abraçaram, tentaram nos confortar de alguma maneira", conta.

"Mas, pelo fato de até então, pelo menos no nosso meio, nunca ter ocorrido um suicídio, eu sentia que as pessoas não sabiam muito bem o que falar."

Késia lembra que, durante o culto fúnebre, um pastor fez uma fala indelicada.

"Ele praticamente disse que o filho havia passado por situações emocionais graves, mas que eles [familiares] haviam orado. Então, deu a entender que não tínhamos feito nossa parte como pessoas que creem Deus."

Késia diz que sentiu muita raiva naquele momento e pediu que tirassem o microfone das mãos do pastor.

Hoje, ela consegue ver com "uma certa compaixão e misericórdia" a situação, por entender que o pastor não estava preparado para aquilo.

"As pessoas não foram ensinadas a lidar com esse tipo de morte. As pessoas, na verdade, não são preparadas nem para lidar com a própria morte", aponta.

Mas Késia diz não se arrepender de ter tirado o microfone do pastor, "porque a ignorância não pode dar liberdade para que as pessoas sejam cruéis".

Ela relata ter ouvido de pessoas próximas falas que também a incomodaram.

"Muitas pessoas ligaram para mim e disseram que ela ia para o inferno. Assim, na lata".

Esse tipo de fala é comum também fora das igrejas evangélicas, diz a pregadora, que por seu trabalho já participou de velórios de diferentes religiões.

Késia diz ter percebido, nessas ocasiões, que outras religiões tratam do suicida como alguém "condenado" na vida após a morte.

"Foi aí que a minha ficha começou a cair de que essa incompreensão do tema vem realmente arraigada numa construção histórica que, de uma certa forma, atingiu todas as religiões", diz a pregadora.

"Há pessoas que realmente são massacradas com essa falta de acolhimento ou com frases colocadas de uma forma inapropriada [no contexto religioso]", afirma.

"Isso inclusive pode levar as pessoas que ficam a um profundo adoecimento mental tanto pela sensação de culpa quanto pela sensação de que perdeu a esperança de rever aquela pessoa [após a morte]."

Sobre o destino de sua irmã após a morte, Késia diz que ainda "não tem essa resposta", mas isso não a "inquieta mais".

"Por que me tranquilizo? Porque o assunto 'salvação' é exclusivo de Deus."

Ela responde que tampouco teve a fé abalada por conta do suicídio.

"Não, não mesmo. Foram mais questões teológicas de entender: será que toda pessoa que cometeu o suicídio está condenada?"

A palestrante afirma que, apesar de "não saber como", sua fé "se fortaleceu" após o suicídio da irmã.

Mas, durante o luto, Késia teve depressão.

"Nunca deixei de crer em Deus, mas depois que eu encontrei o corpo da minha irmã, eu não consegui mais dormir", relata.

Ela credita seu adoecimento mental à falta do sono: "Não foi a falta de fé".

"Precisei passar por toda essa situação para entender que sim, uma pessoa que crê em Deus, que tem fé, que está alimentando a sua vida espiritual, fazendo bem, ela pode adoecer [mentalmente], como adoece de qualquer outra enfermidade", diz Késia.

Ela afirma que buscou forças para se reerguer principalmente por conta da mãe, que já havia perdido uma filha, e aceitou se tratar.

Em 2013, ela fundou o Centro Débora Mesquita, que atuou até 2020 na divulgação de informações para prevenção ao suicídio e no atendimento à população com psicólogas voluntárias e grupo de apoio a enlutados.

Uma igreja da Assembleia de Deus que Késia frequentava cedeu algumas salas para esse tipo de atendimento.

Mas, com a pandemia, as atividades foram interrompidas, e Késia fundou com o marido, Fernando Gutman, o projeto Espiritualmente Saudável, que promove palestras e cursos sobre a prevenção do suicídio no meio religioso.

O casal assina junto também o livro Não é falta de fé: prevenção e posvenção do suicídio no contexto religioso, lançado em 2020.

Ela diz terem escolhido o título para atingir um público que muitas vezes deixa de buscar ajuda porque tem medo de ser julgado "como uma pessoa que não tem fé", explica Késia, que também é cantora.

"A vida é um dom de Deus, e ninguém tem direito de tirar a própria vida, mas também compreendemos hoje que o adoecimento mental pode tirar uma pessoa da sua racionalidade", diz.

"Mas, quando a gente antecipa a morte, aborta muitos sonhos, muitas experiências. A gente deixa de sentir a dor, mas a gente também abre mão do amor", afirma.

"Mas eu não estou aqui de forma alguma julgando quem fez isso, porque alguns no momento do impulso não tiveram como escapar."

Era o Setembro Amarelo de 2023, mês da campanha de prevenção ao suicídio criada por várias organizações brasileiras em 2015. A pregadora fez uma sequência de cultos e palestras na capital e no interior paulista.

A viagem a São Paulo foi emendada com uma anterior, ao Rio, onde ela e o marido lançaram Caminhos na Tormenta: a Graça de Deus Manifestada na Saúde Mental.

Os pais dela acompanham frequentemente Késia e Fernando em viagens pelo Brasil. O grupo brinca entre si lembrando de histórias que aconteceram no caminho.

Ao falar da morte de Débora, a família mostra serenidade.

No culto, Késia fala sobre saúde mental, canta e fecha os olhos ao se emocionar. Fernando fala de sentimentos e de cuidados de uma perspectiva masculina.

Késia, também bastante ativa nas redes sociais, afirma que a morte da irmã proporcionou novas atividades em sua vida, como palestras, livros e viagens, mas que essa percepção é agridoce.

"Para qualquer lugar que eu vá, eu sempre vou receber tudo com muito amor, com muita gratidão e até mesmo com felicidade — mas nunca com vaidade, nunca com orgulho, porque eu sei o que me custou."

A posição de grandes igrejas evangélicas sobre o suicídio

Segundo o Censo 2010, as igrejas evangélicas formam o segundo segmento religioso com mais adeptos no Brasil — cerca de 42,2 milhões de pessoas, 22,2% do total da população —, atrás apenas da Igreja Católica Apostólica Romana (com 123 milhões de fiéis, 64,6% da população).

Os evangélicos foram o grupo que mais cresceu do Censo 2000 ao de 2010, passando de 15,4% para 22,2% da população.

São muitas as divisões internas do mundo evangélico, então a BBC News Brasil buscou saber como as três denominações com mais adeptos tratam a questão do suicídio: a Assembleia de Deus (12,3 milhões de adeptos), as igrejas batistas (3,7 milhões) e a Congregação Cristã no Brasil (2,2 milhões).

Mas os especialistas entrevistados pela BBC News Brasil afirmaram que, não só para essas três denominações, a interpretação geral das igrejas evangélicas é que o suicídio é um pecado.

Assim como no catolicismo, uma das principais bases para esse entendimento é um dos Dez Mandamentos da Bíblia: "Não matarás".

O cientista social e pastor batista Clemir Fernandes, pesquisador do Instituto de Estudos da Religião (Iser), lembra também de Judas, o traidor de Jesus — que, segundo os textos bíblicos, se matou.

"Em tese, atentar contra sua vida ou de quem quer que seja de fato é pecado. É uma quebra de um princípio da relação saudável com Deus", aponta Fernandes, doutor em ciências sociais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

"A compreensão na tradição evangélica e batista é que a vida pertence a Deus: ele deu e só ele pode tirar."

Falando especificamente das igrejas batistas, Fernandes afirma não ter notícias de pastores que se recusem a fazer cultos funerários para quem se suicida, como há relatos outras denominações.

"Quando a pessoa comete suicídio, não há qualquer tipo de discriminação nas igrejas para celebrar o culto de gratidão pela vida da pessoa", afirma o pesquisador.

Fernandes explica que, segundo a crença evangélica, os ritos funerários têm um papel de conforto para quem ficou — e não a função de contribuir, com orações, por exemplo, para a salvação da alma de um falecido.

"Uma pessoa para ser salva, na tradição batista e do mundo protestante de maneira geral, é uma relação entre ela e Deus mediada por Jesus e só, não passa pelo sacerdote. Não passa por ninguém a não ser ela."

Por isso mesmo, o pesquisador explica que a questão do destino pós-morte de uma pessoa que tirou a própria vida, na crença evangélica, depende completamente de um juízo divino.

Fernandes lembra que as igrejas batistas têm grande autonomia, sendo independentes para não seguir até mesmo as orientações de convenções a que são filiadas.

As convenções são organizações que reúnem várias igrejas locais. Segundo o pesquisador, elas são órgãos de "cooperação e não de imposição".

Mesmo assim, ele aponta que não há menção ao suicídio e questões relacionadas ao ato em grandes documentos como a Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira (CBB) e os Princípios Batistas.

A CBB, convenção que reúne o maior número de igrejas batistas no país, disse à BBC News Brasil que não se manifestaria sobre o assunto.

Ex-pastor da Assembleia de Deus, psicólogo e mestre em ciência da religião pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Jimmy Pessoa avalia que, na interpretação desta denominação, o suicídio é um pecado.

"Eles entendem que a pessoa que se suicida não tem salvação. Isso é muito claro, só não se fala isso. Mas eles acreditam", aponta Pessoa, que é doutorando e, no mestrado, pesquisou sobre saúde mental de pastores da Assembleia de Deus.

"Todas as igrejas evangélicas cristãs têm essa interpretação. Não existe nenhuma igreja cristã que diz assim: suicídio não é pecado."

A única exceção poderia acontecer se a "pessoa nos seus últimos momentos antes da morte tenha se arrependido e pedido perdão".

O pesquisador afirma não haver qualquer documento da igreja acerca do suicídio e diz que o assunto é evitado publicamente por lideranças.

"Em questão de costumes, hoje há um cuidado muito maior quando vai se falar sobre isso, porque eles sabem que a mão da Justiça pesa", diz Pessoa, referindo-se a processos judiciais que podem surgir como consequência de falas públicas de pastores.

Entretanto, o pesquisador afirma que os pastores têm autonomia para decidir sobre a realização de cultos fúnebres para suicidas — e diz já ter sabido de casos em que estes não foram realizados, o mais recente deles em 2019.

"É uma questão que fica a cargo e critério do pastor. O pastor não vai ser penalizado se fizer o culto fúnebre de alguém que se suicidou ou não."

À semelhança das batistas, o pesquisador diz que, na Assembleia de Deus, os cultos fúnebres não são voltados à pessoa que morreu, mas a quem fica.

"Ao morrer, aquilo que vai acontecer com a pessoa não tem mais relação nenhuma com o que vai acontecer aqui na Terra."

Pessoa, que foi pastor por quase 12 anos e diz não frequentar mais qualquer culto religioso, avalia como psicólogo ser "muito problemática" a doutrina que condena o suicídio.

"Eles deveriam buscar se inteirar mais do assunto relacionado à saúde mental para aprender diferenciar o que é de fato espiritual do que é relacionado à saúde emocional", defende, para referir-se então à morte de Judas.

"Esse exemplo bíblico não foi analisado, não teve a catalogação sobre o sofrimento daquela pessoa, uma análise, uma descrição sintomática. A gente só se baseia em algo que está escrito em um texto de aproximadamente 2 mil anos."

A reportagem buscou por telefone, e-mail e redes sociais duas grandes convenções da Assembleia de Deus, a Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil (CGADB) e a Convenção Nacional das Assembleias de Deus no Brasil (Conamad), mas não teve retorno.

Em grupos de enlutados pelo suicídio nas redes sociais, algumas pessoas comentam que essa igreja tem como regra não realizar funerais para pessoas que se suicidaram.

A informação foi confirmada pelo pesquisador Públio Azevedo, que estudou essa igreja no doutorado em ciências da religião pela PUC-SP, e pelo youtuber Josafá Agra, que diz ter frequentado a CCB por anos, até aproximadamente 2018, e tem hoje um canal com denúncias contra ela.

Questionada sobre sua conduta em relação ao funeral de suicidas e à saúde mental, a congregação preferiu não se manifestar.

Públio Azevedo explica que ser muito fechada é uma das principais características da CBB — embora a pandemia tenha levado a uma flexibilização em alguns pontos, como na recente prática de transmitir cultos na internet.

O pesquisador atribui isso a características pessoais do fundador da CCB, o missionário italiano Louis Francescon (1866-1964), que ele descreve como tímido e de origem simples.

Embora tenha começado a se formar em 1910, a igreja só iniciou sua oficialização nos anos 1920.

"Eles têm por princípio a não comunicação externa. Há um sigilo muito forte no que diz respeito às próprias questões ministeriais e administrativas", afirma Azevedo, que também é pastor batista.

Outro resultado desse fechamento é o próprio distanciamento de outras igrejas evangélicas e cristãs — e por isso a própria CCB rejeita a sua classificação por pesquisadores como uma igreja pentecostal, aponta Azevedo.

Por tudo isso, é difícil ter acesso à doutrina da congregação em relação a questões como o suicídio.

Mas, em sua pesquisa, Azevedo diz ter obtido alguns "tópicos de ensinamento" — regras compartilhadas internamente entre líderes das igrejas, chamados de anciãos.

Em seu site, a CCB disponibiliza tópicos somente a partir de 2021. Mas é comum encontrar compilados na internet, reunidos por membros ou dissidentes.

Segundo os entrevistados, os tópicos se acumulam, e não são revogados — por isso, a não ser que tenha sido publicado algum tópico explícito anulando um ensinamento antigo, tópicos de décadas atrás seguem vigentes.

Públio Azevedo afirma que conseguiu reunir tópicos a partir de alguns documentos e contatos com membros da igreja.

Sobre o suicídio, um tópico de 1964 obtido pelo pesquisador com orientações sobre serviços funerais afirma: "Quanto aos suicidas não tem parte no Reino de Deus; não se faz serviço algum. Se os familiares são crentes, pode-se orar por eles depois que o féretro (caixão) saiu, para conforto de seus corações".

Outro, de 1969, diz: "Compreenda-se que para suicidas não se faz serviço de funeral, mesmo que tenha sido orado por ele antes de morrer."

A BBC News Brasil encontrou em um site que divulga a crença e materiais da CCB um tópico mais recente, de 2009, que reafirmaria o veto a funerais de suicidas.

A reportagem tentou contactar os responsáveis pela página por e-mail, mas não houve retorno. Portanto, não foi possível confirmar a veracidade desse tópico mais recente.

"Dentro dos tópicos, fica muito claro que a Congregação entende que todo e qualquer suicida cometeu um pecado que não tem perdão. A danação eterna já está determinada e não se deve prestar serviços fúnebres", aponta Azevedo.

Josafá Agra aponta que o suicídio e os chamados pecados sexuais — como sexo antes do casamento e adultério — têm a mesma gravidade para a CCB.

"Não deve se fazer velório ou funeral para quem se suicidou porque eles acreditam que a pessoa perdeu a salvação", diz Agra.

"É como se a pessoa fosse manchada, como se fosse um grande um pecador. Então ele não merece ter o funeral, porque o funeral na Congregação é uma espécie de último selo de qualidade que a pessoa recebe para poder entrar no céu."

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Fonte:https://www.bbc.com/portuguese/articles/cp4enzdl4k1o

21 março 2024

GOLPE MILITAR DE 64: Por que olhar pra trás?

 21.03.2024

Do portal da AGÊNCIA PÚBLICA

Por Marina Amaral

Aniversário sempre faz a gente olhar para trás, vir caminhando na memória daquele ponto inicial até o que se comemora no presente. Não por acaso, é também um momento de pensar no futuro, planejar mais um ano, trazendo a bagagem do ano passado. 

Foi assim neste aniversário de 13 anos da Agência Pública na sexta-feira (15), em que lembramos a esperança que a inaugurou com um sentimento de gratidão pelo que ela se tornou e de responsabilidade com o futuro. 

Daquela sementinha plantada com fé no jornalismo de interesse público e compromisso com os direitos humanos brotou uma organização que não para de se transformar, atrair profissionais de talento, leitores atentos, apoiadores generosos. 

Hoje somos muitos, mais de 40, a construir o presente e imaginar o futuro. A Pública se tornou melhor e maior que o sonho que a fundou.

Se a inquietação nos empurra adiante, a permanência dos nossos princípios dá consistência ao trabalho que fazemos. Os desafios que enfrentamos nesse caminho – até a grande pedra que foi o governo Bolsonaro – trouxeram aprendizado e novos motivos para “tocar para frente”. 

As aspas remetem à triste declaração do presidente Lula sobre a decisão do governo federal de silenciar o aniversário de 60 anos da ditadura e, com ele, apagar a luta de seus opositores e a dor dos familiares, que pressionam até hoje pela volta da Comissão dos Mortos e Desaparecidos, extinta no governo Bolsonaro. O presidente nem os recebeu em audiência, como contou a coluna de Rubens Valente. 

“Eu, sinceramente, eu não vou ficar remoendo e eu vou tentar tocar esse país para frente”, disse o presidente sobre os 60 anos da ditadura. “Eu estou mais preocupado com o golpe de 8 de janeiro de 2023 do que com 64”, afirmou.

A comparação entre o golpe de 1964 e a tentativa de golpe de 2023, porém, apenas reforça a necessidade de refletir sobre o passado, reparar danos, cobrar um comportamento democrático daqueles que trouxeram de volta o anseio autoritário de 1964. 

Não se trata de “remoer”, palavra calculadamente ofensiva para quem insiste em lembrar. O passado continua bem presente na formação autoritária e violenta de militares e policiais, na injustiça que se perpetua nos corpos desaparecidos, na perseguição aos indígenas, no financiamento de atos extremistas por empresários sem nenhum escrúpulo.  

Falta expor e rejeitar com firmeza a tortura que nos envergonha, as mentiras que encobriram crimes ainda impunes, o papel lamentável de empresas e instituições – a última revelação sobre isso, aterradora, foi publicada nesta semana pela Pública.

Como disse Dilma Rousseff, a única presidente a ter coragem de instalar uma Comissão da Verdade sobre os crimes de ditaduras no país: “O Brasil merece a verdade. As novas gerações merecem a verdade e, sobretudo, merecem a verdade factual, aqueles que perderam amigos e parentes e continuam sofrendo como se eles morressem de novo e sempre a cada dia”.

É disto que se trata, presidente Lula. Não se faz um governo de “união e reconstrução” mutilando a história que nos trouxe até aqui. A extrema-direita está bem viva, com a ditadura como estandarte do 8 de janeiro. Em cada militar que depõe sobre a tentativa de golpe no governo Bolsonaro, mora um garoto catequizado pelos ditadores do passado.

Sem coragem de enfrentar os militares e seus aliados golpistas que há décadas falseiam os fatos para manter seus privilégios – e um lugar no coração dos brasileiros que ignoram seus crimes –, não há como “tocar o país para frente”. 

Pelo menos não o país que todos nós, que escolhemos a democracia, queremos construir.

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Eleições 2022: pastores fazem pressão por voto e ameaçam fiéis com punição divina e medidas disciplinares

21.03.2024
Do portal da BBC NEWS BRASIL, 19.10.2022
Por Julia Braun 

Em um vídeo com mais de 300 mil visualizações no Instagram, a ministra evangélica Valnice Milhomens instiga os fiéis a não votarem em candidatos à Presidência que apresentam "um programa contrário ao reino de Deus".

Toda vestida de verde, amarelo e azul, ela afirma que cada fiel "vai responder diante de Deus pelo seu voto".

Milhomens tem 320 mil seguidores no Instagram e 137 mil inscritos em seu canal no YouTube. Ela é uma das muitas líderes religiosas evangélicas que têm feito campanha pelo presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL).

A ministra e presidente da Igreja Nacional do Senhor Jesus Cristo não menciona Bolsonaro nominalmente em suas postagens e discursos, mas as cores escolhidas para os vídeos e o discurso são os da campanha do atual mandatário. Ela também já participou de celebrações religiosas ao lado do presidente e sua família.

Milhomens ainda tem promovido um movimento de oração e jejum nos dias que antecedem o segundo turno das eleições presidenciais. Em um guia divulgado no site do Conselho Apostólico Brasileira (CAB), os fiéis podem seguir um roteiro de orações, entre as quais há uma com o nome de Jair Bolsonaro.

O programa de 21 dias vai até 29 de outubro e tem sido divulgado nas redes sociais por diversos pastores de diferentes denominações.

'Perseguição contra cristãos já começou no Brasil. Só que dentro da igreja'

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Já o pastor André Valadão é muito mais direto em seus pronunciamentos. "Vamos para cima! A vitória do Bolsonaro nesse segundo turno tem que ser grande!", diz em um dos vídeos postados em seu Instagram, onde acumula 5,3 milhões de seguidores.

"Tem que votar certo, se não você não é crente não", afirmou também em um vídeo gravado ao lado do atual presidente, usando o bordão que se popularizou em suas redes sociais.

Valadão é fundador da Lagoinha Orlando Church, na Flórida, nos Estados Unidos, e cantor gospel. Em suas redes, responde com frequência perguntas de fiéis e seguidores sobre religião e política.

E tão comum quanto as postagens que exaltam Bolsonaro, são as que criticam a esquerda e, em especial, o ex-presidente e candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Em uma postagem do dia 4 de outubro, pouco após o primeiro turno das eleições, uma usuária mandou o seguinte comentário para o perfil do pastor: "Sou cristã e não votei no Bolsonaro #forabolsonaro".

Valadão respondeu: "Você pode até ser cristã, mas é desinformada. Ou talvez escolhe caminhar na ignorância, sem entender que tudo o que a esquerda oferece é tudo que é fora dos valores cristãos".

Em reação a outra pergunta, o religioso escreveu que crente que vota em Lula é "um absurdo".

Punição a membros de esquerda

O discurso político combativo se repete entre outros pastores que possuem uma ampla gama de seguidores, algumas vezes até com ameaças contra os fiéis que se recusam a seguir a orientação de voto.

Um vídeo em que um pastor da Assembleia de Deus afirma que os evangélicos que declararem voto em Lula serão proibidos de tomar a Santa Ceia circulou nas redes sociais em agosto.

"Eu ouço crentes dizendo: vou votar no Lula. Você não merece tomar a ceia do Senhor se você continuar com esse sistema", diz o pastor Rúben Oliveira Lima, da Assembleia de Deus em Botucatu, interior de São Paulo.

Em outro momento do vídeo, ele afirma, se referindo ao ex-presidente Lula: "Se eu souber de um crente membro dessa igreja que votou nesse infeliz, eu vou disciplinar". Ele não deixa claro o que quer dizer com disciplinar.

Um documento discutido em plenário durante uma assembleia em 4 de outubro da Convenção Fraternal das Assembleias de Deus do Estado de São Paulo (Confradesp), um dos braços mais fortes da Assembleia de Deus, fala de "aplicação de medidas disciplinares" contra membros que adotem filosofias que, segundo eles, entram em choque com os princípios cristãos.

O texto a que a BBC News Brasil teve acesso afirma que a Convenção não aceitará em seus quadros ministros que defendam, pratiquem ou apoiem, por quaisquer meios, ideologias contrárias aos princípios morais e éticos defendidos por ela. O documento cita um posicionamento contrário à "Desconstrução da Família Tradicional, Erotização das Crianças, Ampla Liberação do Aborto" e outros.

"Os Ministros que comprovadamente defenderem pautas de esquerda, dentro da cosmovisão marxista, serão passíveis de representação perante o Conselho de Ética e Disciplina, assegurado o contraditório e a ampla defesa", diz a carta.

A resolução foi aprovada pouco depois de o presidente Jair Bolsonaro participar de um culto para os fiéis presentes à assembleia, na Assembleia de Deus Ministério do Belém, na zona leste de São Paulo.

Durante esse mesmo culto, diversos líderes religiosos falaram a favor do presidente e a primeira-dama Michelle Bolsonaro cobrou das igrejas evangélicas um posicionamento no segundo turno das eleições de 2022.

"A gente queria vitória, sim, no primeiro turno. Mas a gente entendeu, irmãos, que se a gente tivesse recebido a vitória no primeiro turno, talvez a igreja não estivesse preparada para isso. A gente precisa se voltar ao Senhor. A igreja precisa se posicionar, a igreja precisa aprender", disse ela.

A Confradesp é liderada por José Wellington Bezerra da Costa, um dos pastores mais influentes do Brasil. Seu filho, o também pastor e líder da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil (CGADB) José Wellington Costa Junior, disse em um culto no início de maio que o ex-presidente Lula não deve ser recebido nas igrejas que ele comanda.

"O inferno não tem como entrar em lugar santo. Aqui é lugar santo", disse, em referência ao PT e a Lula. "É bom que nos conscientizemos disso. Você, pastor, vai ser procurado sorrateiramente [por petistas], dizendo que é só uma visita. É um laço do Diabo!".

'Não vamos impor nossa vontade a ninguém'
Outro líder religioso que declarou seu apoio à candidatura de Bolsonaro foi o apóstolo Estevam Hernandes, pastor da Renascer em Cristo e idealizador da Marcha para Jesus. Ele é hoje um dos principais cabos eleitorais do atual presidente.

O apóstolo, que é dono do canal de televisão Rede Gospel e apresenta um programa de rádio e televisão na emissora, utiliza frequentemente as cores verde e amarelo durante cultos e nas fotos e vídeos que posta nas redes sociais.

Em sua página no Instagram, que tem 1 milhão de seguidores, o líder religioso utiliza uma foto de perfil em que aparece ao lado de Bolsonaro. Ele também compartilha com frequência cliques ao lado de outros candidatos, entre eles o aspirante a governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos).

Em suas participações na televisão, o apóstolo não cita nominalmente nenhum candidato, mas fala de temas como a "destruição da família" e o "apoia ao aborto". Ele também costuma divulgar eventos com a participação de outras lideranças religiosas em que se discute política e o apoio a Bolsonaro.

À BBC News Brasil, Hernandes afirmou que ele e sua igreja defendem "os valores cristãos, mas não vamos impor nossa vontade a ninguém". "Acredito que ele defende os mesmos valores que nós cristãos, da importância da família, e contra o aborto, por exemplo", disse sobre o atual presidente.

"Eu acredito que temos o direito de defender os candidatos que representam os valores e demandas da igreja, mas de maneira nenhuma fazemos disso uma imposição. Da mesma forma, tenho o direito de me posicionar em minhas redes sociais sobre o que acredito. Mas não estamos impondo nada a ninguém e nem usando o púlpito para isso", afirmou o fundador e líder da Igreja Renascer em Cristo em respostas enviadas por escrito à reportagem.

Assim como a ministra Valnice Milhomens, o apóstolo tem divulgado o programa de jejum e oração para o período que antecede o segundo turno das eleições. O líder religioso afirma que sua igreja realiza jejuns com frequência desde a sua fundação.

"O objetivo do jejum é ter um período especial de consagração em que buscamos orar e estar ainda mais próximos de Deus. Neste jejum, em especial, estaremos orando também pelo país e pelas próximas eleições, mas, como falei, jejuamos sempre."

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Bolsonaro não é o único que recebeu apoio de lideranças religiosas. O ex-presidente Lula também tenta reunir votos do eleitorado cristão por meio de pastores e padres. O petista também vem tentando reforçar sua imagem como cristãos em suas campanhas e redes sociais, rebatendo algumas das críticas e acusações feitas contra ele.

Mas enquanto o atual presidente recebeu apoio de grandes igrejas e denominações e de pastores midiáticos com uma ampla rede de seguidores, Lula é apoiado principalmente por quadros dissidentes e igrejas menores.

O petista tem ao seu lado, por exemplo, Paulo Marcelo Schallenberger, que se identifica em suas mídias como "o pastor solitário de Lula".

O religioso faz parte da Assembleia de Deus, mas afirma ter sido afastado dos cultos formais na igreja por conta de seus posicionamentos. Hoje se dedica principalmente a palestras em outras igrejas. "Passei a me posicionar primeiro contra o governo Bolsonaro, só depois me aliei publicamente ao Lula. Mas sempre votei nele e na ex-presidente Dilma [Rousseff]", disse à BBC Brasil.

Além de pastor, Schallenberger concorreu a deputado federal neste ano pelo Solidariedade, mas não foi eleito.

Ele afirma guardar as discussões de políticas e suas opiniões pessoais para discussões após o culto ou fora da igreja. "Há um exagero na discussão de política dentro das igrejas, especialmente entre aqueles que cultivam uma certa idolatria em relação ao Bolsonaro."

O pastor também usa as redes sociais com frequência para falar da corrida eleitoral. Em uma postagem compartilhada no Instagram após o primeiro turno das eleições, Bolsonaro é classificado como "falso cristão". O post cita a relação do atual presidente com a Arábia Saudita e o príncipe Mohammad bin Salman.

"Um cristão não pode se comportar da forma que ele se comporta, seja na forma de falar ou na vida", diz. "Não tem como se dizer cristão e não sentir empatia, se solidarizar ou derramar uma lágrima sequer por quem morreu na pandemia."

Há cerca de duas semanas, o pastor também publicou em suas redes sociais um vídeo adulterado em que o atual presidente afirma que a primeira-dama cumpriu três anos de prisão por tráfico de drogas. Trata-se de um áudio falso, manipulado a partir de uma declaração dada em 2019. Na realidade, Bolsonaro comentava sobre a avó de sua esposa.

Questionado pela reportagem sobre o post, o líder religioso afirmou que não sabia que se tratava de uma fake news quando postou, mas que foi avisado posteriormente. "Já apaguei do meu Twitter, mas alguém da minha equipe deve ter esquecido de deletar do Instagram. Vou verificar", disse. O vídeo foi apagado posteriormente.

Outra liderança religiosa que declarou seu voto em Lula foi o bispo Romualdo Panceiro, ex-número 2 da Universal e atual líder da Igreja das Nações do Reino de Deus.

A Aliança de Batistas do Brasil, uma organização que prega a "livre interpretação da Bíblia", a "liberdade congregacional" e a "liberdade religiosa" para todas as pessoas, também se posicionou a favor do petista, afirmando ser contra o "governo perverso e mau que está no poder".

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Lei proíbe propaganda eleitoral em igrejas

Segundo a lei eleitoral, é proibido veicular propaganda eleitoral de qualquer natureza em templos religiosos. Esses espaços são definidos como "bens de uso comum", assim como clubes, lojas, ginásios e estádios.

"Falar bem de um determinado candidato não é propaganda eleitoral, mas comparar dois nomes e dizer, por exemplo, que um representa o bem e o outro o mal, pode ser considerado propaganda", explica o advogado eleitoral Alberto Rollo.

A Lei das Eleições, de 1997, estabelece como propaganda eleitoral não apenas declarações, mas também exposição de placas, faixas, cavaletes, pinturas ou pichações. O mesmo vale para ataques a outros candidatos - a chamada campanha negativa.

O descumprimento da lei pode gerar multa de R$ 2 mil a R$ 8 mil. "A multa é aplicada para quem fez a propaganda ou para o candidato beneficiado", diz Rollo.

O especialista explica ainda que igrejas são consideradas pessoas jurídicas e, pela lei, nenhum candidato pode ser financiado por empresas. Transgressões são consideradas abuso de poder econômico e podem levar ao cancelamento do registro da candidatura ou à perda do cargo.

Veículos ou meios de comunicação social, incluindo os religiosos, também não podem atuar em benefício de candidato ou de partido político.

Segundo Rollo, porém, declarações feitas nas redes sociais pessoais de líderes religiosos não se enquadram na regra. "Os pastores são cidadãos e pessoas físicas, não jurídicas, portanto aquilo que dizem em suas redes sociais pessoais não está sujeito a essa lei. Mas essas declarações não podem acontecer nas redes sociais da própria igreja, por exemplo."

Há também, no Código Eleitoral, um artigo que proíbe o uso de ameaças para coagir alguém a votar, ou não votar, em determinado candidato ou partido, sob pena de reclusão de até quatro anos e pagamento de multa.

'Não vamos votar no novo papa'

Pastores moderados e lideranças religiosas criticam o uso da religião e do palanque de igrejas para fazer campanha e coagir fiéis a darem seus votos para determinados candidatos.

A pastora Romi Bencke, secretária-geral do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (Conic), ressalta que para além de qualquer proibição da lei eleitoral brasileira, fazer uso da posição de autoridade, de celebrações ou de canais de televisão religiosos para esse fim não é ético.

"Não creio que seja correto que lideranças religiosas se utilizem de sua autoridade perante os fiéis para estimular votos em candidatos específicos", diz. "As lideranças religiosas são respeitadas, escutadas e têm uma legitimidade em suas comunidades."

Para Valdinei Ferreira, professor de teologia e pastor titular da Primeira Igreja Presbiteriana Independente de São Paulo, há uma linha muito tênue que separa as convicções pessoais de pastores e outros religiosos de seu papel público. "Mas devemos evitar cruzar essa linha e usar a autoridade religiosa para respaldar ou legitimar nossa opção político partidária", afirma.

"Eu me sinto tentado a me pronunciar em alguns momentos, mas resisto a fazer isso na condição de pastor e mais ainda usando o púlpito e o culto."

Ferreira critica ainda o uso de discursos camuflados para apoiar determinadas ideologias políticas a partir de preceitos religiosos. "Há valores tanto da direita quanto da esquerda que são compatíveis com o evangelho. Dizer que cristão não vota em candidatos de uma determinada ideologia é manipulação", afirma.

"No dia 30 de outubro [dia do segundo turno], não vamos votar no presidente de uma igreja ou no novo papa, mas no presidente do Brasil. As mobilizações precisam ser laicas, até porque a pessoa eleita vai governar ao longo de quatro anos um Brasil que é plural em termos de religião", completa Romi Bencke.
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Fonte:https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63209750

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