11.10.2025
Do portal BRASIL DE FATO, 09.10.25
Caso foi descoberto após incêndio no dia 20 de julho; MTE resgatou mais 23 trabalhadores após novos desdobramentos
| Incêndio no dia 20 de julho destruiu alojamentos - Foto: Vagner Teixeira Maciel - GSI/Procuradoria-Geral do Trabalho | 
Auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego resgataram 586 trabalhadores submetidos a condições análogas à escravidão em um canteiro de obras de uma usina de etanol em Porto Alegre do Norte (MT).
A
operação, iniciada em 20 de julho e concluída nesta terça-feira (7), foi
conduzida pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM) e pela
Superintendência Regional do Trabalho e Emprego no Mato Grosso (SRTE/MT), com
apoio do Ministério Público do Trabalho (MPT) e da Polícia Federal (PF).
A
investigação começou em julho de 2025, após um incêndio em alojamentos onde os operários viviam.
Segundo a fiscalização, os espaços eram superlotados, sofriam falta constante
de água e energia elétrica e estavam em condições precárias de higiene. A
empresa chegou a utilizar água retirada de um rio, sem tratamento, para
abastecer os tanques.
Durante
o incêndio, a Polícia Militar (PM) chegou ao local antes dos bombeiros e,
segundo relatos, atirou balas de borracha e ameaçou os trabalhadores, que
perderam pertences e documentos pessoais. Alguns trabalhadores chegaram a ser
detidos por até três dias. 
Após
o episódio, 17 pessoas foram demitidas por justa causa, sem provas de
envolvimento no incêndio, segundo os auditores fiscais.
Segundo a auditora fiscal Flora Pereira, coordenadora da operação, o caso se
destacou pela complexidade e pela informalidade em todas as etapas da relação
de trabalho — da contratação até as demissões. 
“A
ação fiscal iniciou-se com vistas a investigar o que teria acontecido com os
trabalhadores após o incêndio do alojamento. Ao chegarmos em Porto Alegre do
Norte nos deparamos com uma situação bastante precária, os trabalhadores
estavam em condições degradantes, muitos em colchões no chão, sem cama, sem
roupa de cama”, explica Pereira.
“Foi
uma das ações mais complexas dos últimos anos, não apenas pelo número de
vítimas, mas pela completa ausência de registros formais e pelo descumprimento
sistemático dos direitos trabalhistas”, completa.
Aumento
no número de trabalhadores resgatados
Os
trabalhadores eram contratados pela TAO Construtora para a construção de uma
usina de etanol da 3tentos. O Brasil de Fato noticiou este caso no início de agosto, revelando o
número de 563 trabalhadores resgatados em condições análogas à escravidão. No
decorrer da operação, no entanto, foram identificadas irregularidades na
situação de mais 23 trabalhadores, chegando ao total de 586 resgatados.
O
aumento do número de trabalhadores, segundo Flora, se deu após sua equipe
identificar um sistema clandestino de controle de jornada, conhecido entre os
trabalhadores como “ponto 2”, usado para mascarar horas extras não pagas. Entre
fevereiro de 2024 e julho de 2025, a empresa deixou de pagar milhões em verbas
trabalhistas, incluindo FGTS, férias, 13º salário e descanso semanal
remunerado.
“Nos
deparamos com a questão da jornada exaustiva, confirmada com vários
pagamentos por fora, no montante superior a R$ 3,9 milhões de pagamentos feitos
por fora, mais de 177 mil horas extras que não foram computadas no sistema
oficial da empresa, e então a gente fez esse resgate que começou com 563
trabalhadores e chegamos a um número final de 586 trabalhadores”, destaca a
auditora que coordenou a ação.
Os
depoimentos dos trabalhadores, segundo o MTE, revelaram jornadas exaustivas,
que chegavam a 16 horas diárias, inclusive aos domingos. Um motorista contou
trabalhar das 5h às 21h, com apenas uma hora de intervalo.
A
Inspeção do Trabalho determinou o pagamento de indenizações e verbas
rescisórias que somam R$ 7,7 milhões e a retificação das demissões por justa
causa. Todos os trabalhadores resgatados receberam guia de Seguro-Desemprego,
em três parcelas de um salário mínimo.
Dos
586 resgatados, 96% se autodeclararam negros e apenas três eram mulheres, que
atuavam como cozinheiras.  Segundo Flora, eles foram contratados
principalmente no Maranhão, na Bahia e no Piauí, e esse acerto foi feito
somente de forma verbal. 
“Os
trabalhadores tinham que arcar com os custos da viagem e da alimentação para
chegar até Porto Alegre do Norte. E a carteira realmente só era assinada quando
eles chegavam lá. Esses valores, ou eram pagos diretamente pelos trabalhadores,
ou eram custeados pela empresa e descontados nos primeiros salários. Isso
também foi um ponto que a auditoria fiscal pediu regularização e está fazendo a
fiscalização com relação à devolução dos valores das passagens e o valor da
alimentação na viagem”, destacou a auditora.
Desde
1995, o Grupo Especial de Fiscalização Móvel já libertou mais de 68 mil
trabalhadores de situações análogas à escravidão em todo o país.
Outro
lado
A
reportagem do Brasil de Fato entrou em contato com a 3tentos em
agosto de 2025, quando foi efetuado o primeiro resgate. A empresa disse ter
adotado “uma série de ações para apurar os fatos e avaliar medidas cabíveis”.
“Prezamos
pela dignidade de todas as pessoas envolvidas em nossas operações, sejam elas
diretas ou indiretas. Práticas que violem os direitos humanos e trabalhistas
são incompatíveis com os valores da companhia. Reafirmamos nosso compromisso
com a transparência, a segurança e o respeito às pessoas em todas as nossas
operações”, diz o comunicado enviado ao BdF na época.
Já
a TAO Construtora disse, por meio de nota enviada também em agosto de 2025, que
colabora desde o início com a fiscalização, mas que “até o momento, não há
autuação formal contra a empresa”.
“A
empresa firmou, com o Ministério Público do Trabalho, um Termo de Ajustamento
de Conduta (TAC) com caráter emergencial e reparatório, sem confissão de culpa,
como forma de garantir suporte imediato aos trabalhadores e manter seu
compromisso com a transparência e o diálogo. A TAO Construtora repudia
veementemente qualquer prática análoga à escravidão ou tráfico de pessoas”,
sinalizou na nota.
O Brasil
de Fato procurou novamente as empresas para pedir um novo posicionamento
após o aumento do número de trabalhadores resgatados para 586. Até o fechamento
e publicação da reportagem, não houve retorno. O espaço segue aberto às
manifestações.
Editado por: Maria Teresa Cruz
*****
Fonte:https://www.brasildefato.com.br/2025/10/09/mte-faz-maior-resgate-do-ano-586-trabalhadores-sao-libertados-da-escravidao-em-usina-de-etanol-no-mt/
O fato de 96% dos trabalhadores resgatados se autodeclararem negros destaca a interseção entre trabalho análogo à escravidão e desigualdade racial no Brasil. É fundamental que políticas públicas abordem essa questão de forma abrangente.
ResponderExcluir